"O passado é diferente para cada um de nós: na medida em que cada um extrai um fio condutor através deste passado, uma simplificação [...]." Friedrich Nietzsche

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Breves reflexões acerca da relação entre Verdade e História em Nietzsche



A busca pela verdade e o debate acerca da possibilidade de se alcançar a verdade no conhecimento histórico tem sido fontes de várias manifestações divergentes no âmbito da historiografia. Poder-se-ia dizer que este problema permanece insolúvel e ainda é fruto de discórdia e de grandes dúvidas. Entretanto, o presente texto visa analisar o posicionamento de um autor específico: Friedrich Nietzsche.

Inicialmente, poder-se-ia questionar qual seria o entendimento Nietzscheniano acerca da História. Em sua obra ‘Escritos sobre História’ manifesta-se da seguinte maneira:

Tudo se move em círculos gigantescos, que giram uns em torno dos outros ao mesmo tempo que devêm; o homem é um dos círculos mais interiores. Quando quer medir as oscilações dos que estão na periferia, ele precisa abstrair de si e dos círculos que estão mais próximos dele, e caminhar para os que são mais amplos e abrangentes. Os mais próximos dele são a história dos povos, da sociedade e da humanidade. A busca do centro comum de todas as oscilações, do círculo infinitamente pequeno, é a tarefa da ciência natural; já que o homem busca ao mesmo tempo em si e para si este centro[...]Mas, na medida em que o homem é arrastado para os círculos da história universal, surge essa luta da vontade individual com a vontade geral; aqui se insinua a presença desse problema infinitamente importante que é o da justificação do indivíduo em relação ao povo, o do povo em relação à humanidade e da humanidade em relação ao mundo; aqui se desenha enfim a relação fundamental entre fatum e história. A concepção mais elevada da história universal é impossível para os homens; o grande historiador passa a ser, tal como o grande filósofo, um profeta; porque ambos fazem abstração do círculo mais interno e caminham para os que estão mais distantes. (NIETZSCHE, p.61-62)

Portanto, o homem encontra-se num dos núcleos mais internos de uma grande gama de círculos. O exercício histórico, o produzir o conhecimento histórico depende da capacidade que tem o ser humano de se abstrair-se dos círculos mais próximos e dirigir-se aos mais distantes, a procura do fato para poder relatá-lo. Entretanto, se deve o homem buscar o fato para relatá-lo, deve este ter noção daquilo que quer buscar e da maneira como deseja fazê-lo. Porém, neste viés, assevera Nietzsche que “os fatos são todos demasiadamente pequenos para que se possa apreendê-los.” (op. cit., p. 306). Para ele, acerca da verdade num acontecimento histórico, “tudo se passa nos espíritos que se vêem mutuamente de maneira falsa e incompleta.” (p. 303). Se estas premissas forem utilizadas para caracterizar o relato do acontecimento, poder-se-ia dizê-lo necessariamente inverídico? Vez que sua apreensão é tida como impossível e a percepção acerca daquilo que se percebeu é um reflexo falso e incompleto?

Nietzsche dificulta ainda mais a possibilidade de existência da verdade em História quando afirma que “do mesmo modo como os homens mudam, muda também continuamente a imagem da história. [...] Um fato, uma obra são para cada nova época, para cada nova espécie humana, uma nova força de convencimento. A história diz incessantemente novas verdades.” (p. 303-304). Mas pode ser a História uma área do saber em constante mutação? E, se for, pode a verdade de ontem não ser mais a verdade de hoje? E a verdade de hoje não ser mais a verdade de amanhã? Com quais critérios se poderá dizer que aquilo que se sabe pode ou não ser efetivamente verdadeiro ou falso?

E Nietzsche complemente afirmando que “[...] Ainda que se pudesse ter compreendido as condições nas quais uma coisa surge, nem por isso se pode compreendê-la propriamente [...].” (p. 307). Entretanto, o próprio autor ressalva: “Ainda que”, ou seja, não se pode ter compreensão das condições em que algo surge, pois a compreensão depende exclusivamente do que se imagina ter acontecido. Assim sendo, no entender do autor, estará fadada a visão falsa e incompleta dos espíritos.

O escrever a História está fadado ao que o historiador pensa ser verdade. Então, poder-se-á cogitar, em Nietzsche, a eterna incompatibilidade entre o fato, o indivíduo e o escrever a História:

Na vontade livre está cifrado para o indivíduo o princípio da singularidade, da separação em relação ao todo, da não-restrição absoluta; o fatum, no entanto, coloca o homem em conexão novamente com a evolução geral e obriga, na medida em que deseja dominá-lo, a colocar em movimento livre suas forças reativas; uma vontade livre absoluta, carente de fatum, tornaria o homem um deus; o princípio fatalista o transformaria num mero autômato. (p. 65, 2005).


Em um trecho de sua obra Nietzsche busca uma solução para as problemáticas aqui tratadas:

É somente a partir da mais elevada força do presente que tendes o direito de interpretar o passado; é somente na extrema tensão das vossas faculdades mais nobres que adivinhareis o que é grande do passado, o que é digno de ser conhecido e preservado. O igual só pode ser conhecido pelo igual! Do contrário, reduzireis o passado a vossa medida. Não deveis depositar a vossa fé numa apresentação da história que não brote dos espíritos mais raros, e sempre havereis de descobrir a qualidade do seu pensamento, logo que sejais obrigados a formular uma proposição geral ou a retomar uma verdade bem conhecida. O verdadeiro historiador deve ter a força capaz de transformar uma verdade comum numa descoberta inaudita e de enunciar as generalizações de maneira tão simples e profunda, que a profundidade faça esquecer a simplicidade, e a simplicidade faça esquecer a profundidade. (p. 126).

Poder-se-ia, então, questionar as medidas para que o historiador dispa-se de suas próprias medidas. Quais seriam os critérios de verificação das forças do presente para saber se a tensão das faculdades do historiador são suficientes para que o historiador adivinhe o passado? Contentar-se-ão os historiadores com a necessidade de motivações do presente para entender os fatos do passado? Não estarão estas motivações igualmente repletas de características culturais que poderão comprometer, igualmente, o ofício de historiador? O que seria uma motivação válida?

E, que seriam os espíritos raros? A terminologia utilizada guarda o mesmo significado? Ou deve-se realizar uma nova interpretação da reflexão de Nietzsche? Seria esta a motivação que Nietzsche considerava forte? Ter, por exemplo, a necessidade de reinterpretar um texto do passado para poder compreendê-lo de melhor forma no presente?

E como deve o historiador transformar uma verdade comum em uma descoberta inaudita se nem sequer pode dizer o que é verdadeiro? Como pode ter profundidade ao tratar de algo que, na melhor das hipóteses, somente lhe é verdadeiro?

Permito-me, ao finalizar, expor algumas opiniões na primeira pessoa. As questões levantadas por Nietzsche são muito atuais. Porém, juntamente com suas afirmações surgem ainda mais questionamentos que tornam seu texto passível de um número infindável de interpretações (como é comum em Nietzsche). Para os historiadores a possibilidade de resolução destes dilemas continua sob uma penumbra bastante espessa de dúvidas. Os debates certamente continuarão e novas indagações surgirão.

Eu me pergunto: surgirão respostas satisfatórias acerca dos problemas? Respondo: duvido muito.



Referências:

NIETZSCHE, Friedrich. Escritos sobre História. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2005.

Um comentário:

  1. Parabéns...sei que agora serei mais culta te seguindo!
    Como sempre,tudo o que fazes é belo!
    Beijos e muito sucesso,com carinho,tua mainha!

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