"O passado é diferente para cada um de nós: na medida em que cada um extrai um fio condutor através deste passado, uma simplificação [...]." Friedrich Nietzsche

terça-feira, 25 de janeiro de 2011


Retornando ao blog. Espero manter uma rotina mensal de postagens.

Quanto a postagem de hoje...trago minhas maiores dúvidas e fontes de investigação que mais me atraem. Os problemas historiográficos que não saem da minha cabeça desde os primórdios da minha formação acadêmica em História, que continuam sendo os mesmos: "Há Verdade em História?"; "O que se conhece realmente acerca dos fatos?"; "A História contada é a História ocorrida ou é somente a visão de uma geração acerca de um fato, de acordo com as determinantes históricas e sociais de sua época?".

Em busca das respostas...ainda...talvez ad eternum...

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Eu, História!



A História flui por nossas vidas. A História nos cerca, está ao nosso redor. Nós somos a História. Entender a História nada mais é do que entender a nós mesmos. Compreendê-la é compreender a nossa existência. Somos História, fazemos História, vivemos História, morremos História e nela continuamos. O estranho é que, apesar de sermos parte da História, não sabemos sequer o que é verdade nela; o que é ou foi real; o que pode ou não ter sido; o que deve ou não ter acontecido; os fatores e variáveis que nos trouxeram até aqui e nos fizeram...História! (do autor do blog).

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Santo Agostinho e o Tempo



Fundamentalmente, poder-se-ia dizer que todo aquele que buscar pensar o fazer historiográfico deparar-se-á com a problemática do tempo. O que é o tempo? Passado, presente e futuro são divisões corretas do tempo? Quais os limites dos tempos? Qual a relação do tempo com o fato? Um dos filósofos que mais aprofundou-se na temática foi Santo Agostinho. Ele realizou uma gama de indagações acerca desta temática. Inicialmente, indaga-se:

Que é, pois, o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem o poderá apreender, mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir por palavras o seu conceito? E que assunto mais familiar e mais batido das nossas conversas do que o tempo? Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam. O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei. Porém, atrevo-me a declarar, sem receio de contestação, que, se nada sobreviesse, não haveria tempo futuro, e se agora nada houvesse, não existiria o tempo presente. (AGOSTINHO, p. 322, 2004).

De acordo com o pensamento Agostiniano, ainda que cada ser humano tenha uma percepção acerca do tempo, não se consegue verbalizá-la. Poder-se-ia dizer que transformar em palavras aquilo que se pensa acerca do tempo é algo que beira a impossibilidade.

Continuando sua análise, Santo Agostinho questiona a própria existência do tempo. Se o presente fosse sempre presente seria eterno, logo jamais existiria passado e futuro. Se o futuro de ontem é o presente de hoje e será o passado de amanhã, então a existência de qualquer dos tempos é condicionada à existência dos demais tempos, que deixarão de existir ou não mais existem, logo, a própria existência do tempo é uma incógnita, repleta de “não mais é”; “se o é já não se sabe, pois já foi ou será” e de “nunca foi”.

De que modo existem aqueles dois tempos – o passado e o futuro -, se o passado já não existe e o futuro ainda não veio? Quanto ao presente, se fosse sempre presente, e não passasse para o pretérito, já não seria tempo, mas eternidade. Mas se o presente, para ser tempo, tem necessariamente de passar para o pretérito, como podemos afirmar que ele existe, se a causa de sua existência é a mesma pela qual deixará de existir? Para que digamos que o tempo verdadeiramente existe, porque tende a não ser? (op. cit. p. 322, 2004)


Continuando sua argumentação acerca do tempo, Santo Agostinho levanta questões referentes à divisão entre passado, presente e futuro:

[...] dizemos tempo longo ou breve, e isto, só o podemos afirmar do futuro ou do passado. Chamamos “longo” ao tempo passado, se é anterior ao presente, por exemplo, cem anos. Do mesmo modo dizemos que o tempo futuro é “longo”, se é posterior ao presente também cem anos. Chamamos “breve” ao passado, se dizemos, por exemplo, “há dez dias”; e ao futuro, se dizemos “daqui a dez dias”. Mas como pode ser breve ou longo o que não existe? Com efeito, o passado já não existe e o futuro ainda não existe. [...] O tempo longo, já passado, foi longo depois de passado ou quando ainda era presente? Só então podia ser longo (nesse momento presente), quando existia alguma coisa capaz de ser longa. O passado já não existia; portanto não podia ser longo aquilo que totalmente deixara de existir. [...] Vejamos, portanto, ó alma humana, se o tempo presente pode ser longo. Foi-te concedida a prerrogativa de perceberes e medires a sua duração. Que me responderás? Porventura cem anos presentes são muito tempo? Considera primeiro se cem anos podem ser presentes. Se o primeiro ano está decorrendo, este é presente, mas os outros noventa e nove são futuros, e portanto ainda não existem. Se está decorrendo o segundo ano, um é passado, outro presente e os restantes futuros. Se apresentarmos como presente qualquer dos anos intermediários da série centenária, notamos que os que estão antes dele são passados, e os que estão depois são futuros. Pelo que cem anos não podem ser presentes. (p. 333, 2004)

E, Santo Agostinho continua descrevendo a dificuldade de se tratar do tempo utilizando o exemplo dos anos, meses, dias e outras frações. Se o presente pode ser infinitamente divisível, pode-se dizer que deve haver um minuto em que será metade futuro e metade passado, e estes, nada são, pois um já foi e outro será? Agostinho conclui:

Se pudermos conceber um espaço de tempo que não seja suscetível de ser subdividido em mais partes, por mais pequeninas que sejam, só a esse podemos chamar de tempo presente. Mas este voa tão rapidamente do futuro ao passado, que não tem nenhuma duração. Se a tivesse, dividir-se-ia em passado e futuro. Logo, o tempo presente não tem nenhum espaço. (p. 324, 2004)

Se o tempo não tem espaço, como podemos afirmar a existência de algo? O fato da história está situado no passado que nem sequer existe? Como medí-lo? Como entendê-lo se não mais é, e foi, sumiu?

Mas não medimos os tempos que passam, quando os medimos pela sensibilidade. Quem pode medir os tempos passados que já não existem ou os futuros que ainda não chegaram? Só se alguém se atrever a dizer que pode medir o que não existe! Quando está decorrendo o tempo, pode percebê-lo e medi-lo. Quando, porém, já tiver decorrido, não o pode perceber nem medir, porque esse tempo já não existe. (p. 325, 2004)

Fica o fato condicionado ao relato de um historiador que nem sequer se sabe em que tempo está? Fica a História condicionada ao tempo que não é, já foi e encontra-se dividido entre o tudo e o nada?

Se existem coisas futuras ou passadas, quero saber onde elas estão. Se ainda o não posso compreender, sei todavia que em qualquer parte onde estiverem, aí não são futuras nem pretéritas, mas presentes. Pois, se também aí são futuras, ainda lá estão; e, se nessa lugar são pretéritas, já lá não estão. Por conseguinte, em qualquer parte onde estiverem, quaisquer que elas sejam, não podem existir senão no presente. Ainda que se narrem os acontecimentos verídicos já passados, a memória relata, não os próprios acontecimentos que já decorreram, mas sim as palavras concebidas pelas imagens daqueles fatos, os quais, ao passarem pelos sentidos, gravaram no espírito uma espécie de vestígios. Por conseguinte, a minha infância, que já não existe presentemente, existe no passado que já não é. Porém, sua imagem, quando a evoco e se torna objeto de alguma descrição, vejo-a no tempo presente, porque ainda está na minha memória. (p. 326, 2004)

Entretanto, Santo Agostinho não deixa seus pensamentos inconclusos. Trata de asseverar as dúvidas e dilemas que perseguem o historiador ao pensar em seu fato no tempo. Todavia, valida a mente do historiador como veículo de captação dos tempos e representação de fatos. Ou seja, a caracterização dos tempos depende majoritariamente do pensamento do historiador:

O que agora claramente transparece é que não há tempos futuros nem pretéritos. É impróprio afirmar que os tempos são três: pretérito, presente e futuro. Mas talvez fosse próprio dizer que os tempos são três: presente das coisas passadas, presente das coisas presentes, presente das coisas futuras. Existem, pois, estes três tempos na minha mente que não vejo em outra parte: lembrança presente das coisas passadas, visão presente das coisas presentes e esperança presente das coisas futuras. Se me é lícito empregar tais expressões, vejo então três tempos e confesso que são três.
Diga-se também que há três tempos: pretérito, presente e futuro, como ordinária e abusivamente se usa. Não me importo nem me oponho nem critico tal uso, contanto que se entenda o que se diz e não se julgue que aquilo que é futuro já possui existência, ou que o passado subsiste ainda. Poucas são as coisas que exprimimos com terminologia exata. Falamos muitas vezes sem exatidão, mas entende-se o que pretendemos dizer! (p.327-328, 2004)


E, quanto à tarefa que adquire a mente humana para caracterização dos tempos, define como necessidade o espaço. Mas novamente soma dúvidas e incertezas ao rol de celeumas do historiador:

Porém, que medimos nós senão o tempo em algum espaço? Não diríamos tempos simples, duplos, triplos e iguais ou com outras denominações análogas, se os não considerássemos como espaços de tempos. Em que espaço medimos o tempo que está a passar? Será no futuro, de onde parte? Mas nós não podemos medir o que ainda não existe! Será no presente, por onde parte? Mas nós não medimos o que não tem nenhuma extensão! Será no passado, para onde parte? Mas, para nós, não é mensurável o que já não existe! (p. 328-329, 2004)

Agostinho, portanto, brinda-nos com uma seara de dúvidas sob vasta penumbra, que torna ainda mais desafiador o ofício do historiador.


Referências:

Coleção “Os Pensadores”: Santo Agostinho. Nova Cultural: São Paulo, 2004.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Breves reflexões acerca da relação entre Verdade e História em Nietzsche



A busca pela verdade e o debate acerca da possibilidade de se alcançar a verdade no conhecimento histórico tem sido fontes de várias manifestações divergentes no âmbito da historiografia. Poder-se-ia dizer que este problema permanece insolúvel e ainda é fruto de discórdia e de grandes dúvidas. Entretanto, o presente texto visa analisar o posicionamento de um autor específico: Friedrich Nietzsche.

Inicialmente, poder-se-ia questionar qual seria o entendimento Nietzscheniano acerca da História. Em sua obra ‘Escritos sobre História’ manifesta-se da seguinte maneira:

Tudo se move em círculos gigantescos, que giram uns em torno dos outros ao mesmo tempo que devêm; o homem é um dos círculos mais interiores. Quando quer medir as oscilações dos que estão na periferia, ele precisa abstrair de si e dos círculos que estão mais próximos dele, e caminhar para os que são mais amplos e abrangentes. Os mais próximos dele são a história dos povos, da sociedade e da humanidade. A busca do centro comum de todas as oscilações, do círculo infinitamente pequeno, é a tarefa da ciência natural; já que o homem busca ao mesmo tempo em si e para si este centro[...]Mas, na medida em que o homem é arrastado para os círculos da história universal, surge essa luta da vontade individual com a vontade geral; aqui se insinua a presença desse problema infinitamente importante que é o da justificação do indivíduo em relação ao povo, o do povo em relação à humanidade e da humanidade em relação ao mundo; aqui se desenha enfim a relação fundamental entre fatum e história. A concepção mais elevada da história universal é impossível para os homens; o grande historiador passa a ser, tal como o grande filósofo, um profeta; porque ambos fazem abstração do círculo mais interno e caminham para os que estão mais distantes. (NIETZSCHE, p.61-62)

Portanto, o homem encontra-se num dos núcleos mais internos de uma grande gama de círculos. O exercício histórico, o produzir o conhecimento histórico depende da capacidade que tem o ser humano de se abstrair-se dos círculos mais próximos e dirigir-se aos mais distantes, a procura do fato para poder relatá-lo. Entretanto, se deve o homem buscar o fato para relatá-lo, deve este ter noção daquilo que quer buscar e da maneira como deseja fazê-lo. Porém, neste viés, assevera Nietzsche que “os fatos são todos demasiadamente pequenos para que se possa apreendê-los.” (op. cit., p. 306). Para ele, acerca da verdade num acontecimento histórico, “tudo se passa nos espíritos que se vêem mutuamente de maneira falsa e incompleta.” (p. 303). Se estas premissas forem utilizadas para caracterizar o relato do acontecimento, poder-se-ia dizê-lo necessariamente inverídico? Vez que sua apreensão é tida como impossível e a percepção acerca daquilo que se percebeu é um reflexo falso e incompleto?

Nietzsche dificulta ainda mais a possibilidade de existência da verdade em História quando afirma que “do mesmo modo como os homens mudam, muda também continuamente a imagem da história. [...] Um fato, uma obra são para cada nova época, para cada nova espécie humana, uma nova força de convencimento. A história diz incessantemente novas verdades.” (p. 303-304). Mas pode ser a História uma área do saber em constante mutação? E, se for, pode a verdade de ontem não ser mais a verdade de hoje? E a verdade de hoje não ser mais a verdade de amanhã? Com quais critérios se poderá dizer que aquilo que se sabe pode ou não ser efetivamente verdadeiro ou falso?

E Nietzsche complemente afirmando que “[...] Ainda que se pudesse ter compreendido as condições nas quais uma coisa surge, nem por isso se pode compreendê-la propriamente [...].” (p. 307). Entretanto, o próprio autor ressalva: “Ainda que”, ou seja, não se pode ter compreensão das condições em que algo surge, pois a compreensão depende exclusivamente do que se imagina ter acontecido. Assim sendo, no entender do autor, estará fadada a visão falsa e incompleta dos espíritos.

O escrever a História está fadado ao que o historiador pensa ser verdade. Então, poder-se-á cogitar, em Nietzsche, a eterna incompatibilidade entre o fato, o indivíduo e o escrever a História:

Na vontade livre está cifrado para o indivíduo o princípio da singularidade, da separação em relação ao todo, da não-restrição absoluta; o fatum, no entanto, coloca o homem em conexão novamente com a evolução geral e obriga, na medida em que deseja dominá-lo, a colocar em movimento livre suas forças reativas; uma vontade livre absoluta, carente de fatum, tornaria o homem um deus; o princípio fatalista o transformaria num mero autômato. (p. 65, 2005).


Em um trecho de sua obra Nietzsche busca uma solução para as problemáticas aqui tratadas:

É somente a partir da mais elevada força do presente que tendes o direito de interpretar o passado; é somente na extrema tensão das vossas faculdades mais nobres que adivinhareis o que é grande do passado, o que é digno de ser conhecido e preservado. O igual só pode ser conhecido pelo igual! Do contrário, reduzireis o passado a vossa medida. Não deveis depositar a vossa fé numa apresentação da história que não brote dos espíritos mais raros, e sempre havereis de descobrir a qualidade do seu pensamento, logo que sejais obrigados a formular uma proposição geral ou a retomar uma verdade bem conhecida. O verdadeiro historiador deve ter a força capaz de transformar uma verdade comum numa descoberta inaudita e de enunciar as generalizações de maneira tão simples e profunda, que a profundidade faça esquecer a simplicidade, e a simplicidade faça esquecer a profundidade. (p. 126).

Poder-se-ia, então, questionar as medidas para que o historiador dispa-se de suas próprias medidas. Quais seriam os critérios de verificação das forças do presente para saber se a tensão das faculdades do historiador são suficientes para que o historiador adivinhe o passado? Contentar-se-ão os historiadores com a necessidade de motivações do presente para entender os fatos do passado? Não estarão estas motivações igualmente repletas de características culturais que poderão comprometer, igualmente, o ofício de historiador? O que seria uma motivação válida?

E, que seriam os espíritos raros? A terminologia utilizada guarda o mesmo significado? Ou deve-se realizar uma nova interpretação da reflexão de Nietzsche? Seria esta a motivação que Nietzsche considerava forte? Ter, por exemplo, a necessidade de reinterpretar um texto do passado para poder compreendê-lo de melhor forma no presente?

E como deve o historiador transformar uma verdade comum em uma descoberta inaudita se nem sequer pode dizer o que é verdadeiro? Como pode ter profundidade ao tratar de algo que, na melhor das hipóteses, somente lhe é verdadeiro?

Permito-me, ao finalizar, expor algumas opiniões na primeira pessoa. As questões levantadas por Nietzsche são muito atuais. Porém, juntamente com suas afirmações surgem ainda mais questionamentos que tornam seu texto passível de um número infindável de interpretações (como é comum em Nietzsche). Para os historiadores a possibilidade de resolução destes dilemas continua sob uma penumbra bastante espessa de dúvidas. Os debates certamente continuarão e novas indagações surgirão.

Eu me pergunto: surgirão respostas satisfatórias acerca dos problemas? Respondo: duvido muito.



Referências:

NIETZSCHE, Friedrich. Escritos sobre História. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2005.